Neurose


Termo proposto em 1769 (alguns afirmam que foi em 1777), pelo médico escocês William Cullen (1710-1790) para definir as doenças nervosas que acarretavam distúrbios da personalidade. Foi popularizado na França por Philippe Pinel (1745-1826) em 1785. Retomado como conceito por Sigmund Freud a partir de 1893, o termo é empregado para designar uma doença nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico recalcado, de origem infantil.

Com o desenvolvimento da psicanálise, o conceito evoluiu, até finalmente encontrar lugar no interior de uma estrutura tripartite, ao lado da psicose e da perversão.

Em conseqüência disso, do ponto de vista freudiano, classificam-se no registro da neurose a histeria e a neurose obsessiva, às quais é preciso acrescentar, a neurose atual, que abrange a neurose de angústia e a neurastenia, e a psiconeurose, que abarca a neurose de transferência e a neurose narcísica.

A expressão neurose de caráter provém da terminologia de Edward Glover e da doutrina de Wilhelm Reich, enquanto a noção de neurose de fracasso foi cunhada por René Laforgue, e a de neurose de abandono, pela psicanalista suíça Germaine Guex (1904-1984).

O termo neurose foi inventado por William Cullen, durante a segunda metade do século XVIII, e atesta a renovação do olhar clínico que pusera em voga a abertura de cadáveres e, por tanto, a observação "direta" e post mortem dos órgãos que tinham sofrido de diversas patologias, Daí a idéia de criar uma palavra genérica para designar o conjunto dos problemas da sensibilidade e da motricidade que não apresentavam febre e nem relação com qualquer órgão.


Assim nasceu a definição moderna da neurose, que permitiu construir uma nosografia pela negativa, incluindo em seu campo o domínio das doenças para as quais a nova medicina anátomo-patológica não encontrava nenhuma explicação orgânica, Philippe Pinel logo retomou o termo e, um século depois, Jean Martin Charcot o popularizou, fazendo da histeria uma doença funcional (e, portanto, uma neurose), enquanto seu aluno Pierre Janet orientou-se para a idéia de uma pura causalidade psíquica. Na terminologia janetiana, que marcaria todos os clínicos franceses do entre-guerras, a neurose tornou-se uma doença da personalidade, caracterizada por conflitos psíquicos que perturbavam as condutas sociais. Janet distinguiu dois tipos de neuroses: a histeria, na qual aparecia uma redução do campo da consciência, e a psicastenia, onde se manifestava um rebaixamento da função de adaptação à realidade.

Após seu encontro com Charcot, Freud tam bém começou a definir a histeria como uma neurose, porém numa perspectiva inteiramente diversa da de Janet. Ele desvinculou definitivamente a histeria da presunção uterina, associando-lhe uma etiologia sexual e um enraizamento no inconsciente. A partir daí e após a publicação dos "Estudos sobre a histeria", em 1895, a histeria no sentido freudiano tornou-se o protótipo, para o discurso psicanalítico, da neurose como tal. Esta passou desde então a ser definida como uma doença nervosa na qual, antes de mais nada, um trauma intervinha. Daí a idéia, defendida por Freud, de que os pacientes afetados pela neurose histérica, em geral mulheres, teriam sofrido sevícias sexuais reais em sua infância. Mais tarde, depois do abandono dessa chamada "teoria da sedução", em 1897, a neurose tornou-se uma afecção ligada a um conflito psíquico inconsciente, de origem infantil e dotado de uma causa sexual. Ela resulta de um mecanismo de defesa contra a angústia e de uma formação de compromisso entre essa defesa e a possível realização de um desejo.

Paralelamente, a partir de 1894, Freud adotou o termo psiconeurose, que depois abandonaria, para ampliar a definição da neurose. De um lado, classificou fenômenos de defesa (ou psiconeuroses de defesa) decorrentes de uma situação edipiana (fobia, obsessões, his¬teria), e de outro, problemáticas narcísicas (ou psiconeuroses narcísicas), decorrentes de uma situação pré-edipiana. As primeiras seriam catalogadas como neuroses e as últimas se classificariam na categoria das psicoses, com as novas definições, no início do século XX, da paranóia e da esquizofrenia.

Ao lado da histeria e no quadro das psiconeuroses de defesa, Freud instaurou, já em 1894, uma definição da neurose obsessiva: "Foi-me preciso começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Ao lado da histeria, encontrei razões para situar a neurose das obsessões como uma afecção autônoma e independente, embora a maioria dos autores classifique as obsessões entre as síndromes que constituem a degenerescência mental ou as confunda com a neurastenia." Quatro anos depois, em 1898, Freud empregou o termo neurose atual para designar a neurose de angús tia (ou excitabilidade nervosa) e a neurastenia, que não eram, segundo ele, da alçada do tratamento psicanalítico. Tratava-se, nesses casos, de neuroses em que o conflito provinha da atualidade do sujeito, e não de sua história infantil, e nas quais o sintoma não se manifestava de maneira simbolizada.



Entre 1914 e 1924, Freud conservou a definição clássica que dera à neurose nos primórdios de suas descobertas e de suas experiências clínicas. Todavia, após os grandes debates com Carl Gustav Jung e Eugen Bleuler sobre a dissociação, o auto-erotismo e o narcisismo, e depois, com a entrada em cena da segunda tópica, organizada em torno da trilogia composta pelo eu, isso (Id) e supereu, Freud deu uma organização estrutural ao par formado pela neurose e pela psicose, às quais acrescentou a perversão.

Partindo da distinção entre o narcisismo primário, no qual o sujeito investe a libido por ela mesma, e o narcisismo secundário, onde há uma retirada da libido para as fantasias, Freud passou a definir a oposição entre neurose e psicose como o resultado de duas atitudes provenientes de uma clivagem do eu. Na neurose, há um conflito entre o eu e o isso e a coabitação de uma atitude que contraria a exigência pulsional com outra que leva em conta a realidade, ao passo que, na psicose, há uma perturbação entre o eu e o mundo externo, que se traduz na produção de uma realidade delirante e alucinatória (a loucura).

Freud completou esse edifício estrutural introduzindo nele um terceiro elemento: a perversão. Após ter feito da neurose, em 1905, nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", o "negativo da perversão", ele caracterizou esta última como uma manifestação bruta e não recalcada da sexualidade infantil (perversa polimorfa). Nessa perspectiva, os três termos acabariam sendo reunidos: a neurose como resulta do de um conflito com recalque, a psicose como reconstrução de uma realidade alucinatória, e a perversão como renegação da castração, com uma fixação na sexualidade infantil.

A partir da década de 1950, esse modelo do freudismo clássico foi questionado, em especial nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, com o aparecimento, por um lado, da noção de borderlines, e por outro, das novas concepções da neurose provenientes dos trabalhos de Donald Woods Winnicott e Heinz Kohut, centralizados na questão do self.

Fotos: Cenas do Filme Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Pedro Almodóvar, 1988

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