Por Luís Alberto De Abreu
Os grupos teatrais dos anos noventa, especialmente em São Paulo, buscaram recuperar uma forma de produção do espetáculo que se notabilizou nos anos setenta: a criação coletiva. Sob essa denominação genérica abrigava-se uma série de procedimentos criativos que observava, como regra geral, a liberdade de proposição e atuação criativa. A idéia de que um espetáculo teatral é obra de todos os envolvidos em sua construção e, por conseguinte, todos teriam igual direito a contribuir não só com suas habilidades artísticas, mas com sua visão de mundo – política e estética – começou a prevalecer sobre um sistema de produção que pressupunha um texto acabado e pensado por um dramaturgo e um diretor responsável por erguê-lo em cena.
Fiel ao espírito de uma época que se definia como revolucionária na política, nos costumes e na estética, a criação coletiva surge como um pensamento de oposição ao modelo tradicional de produção teatral, baseado numa rígida e hierarquizada divisão de funções artísticas. Originada e desenvolvida no bojo de um ideário de Esquerda (o TEC, Teatro Experimental de Cali, Colômbia, de Enrique Buenaventura foi uma das referências na época) a criação coletiva não foi, no entanto, apenas uma resposta estética, filosófica e política. Os grupos e suas criações coletivas buscavam equacionar também questões de ordem econômica e administrativa, estendendo uma relação horizontal a todos os setores da construção e veiculação do espetáculo.
Assim, era comum o criador, fosse ele ator, dramaturgo ou diretor, assumir funções da escrita textual da cena, atuação, confecção de cenários e figurinos, organização da cena, contatos com a imprensa, distribuição de filipetas, etc. A tendência era que todas as questões pertinentes ao espetáculo fossem dialogadas e resolvidas pelo próprio coletivo, de maneira autônoma.
Os anos oitenta viram a criação coletiva abandonar a cena, pelo menos no circuito do teatro profissional, e chegou-se a acreditar que fosse apenas um fenômeno localizado no tempo, típico do experimentalismo da década anterior.
Na década seguinte, o pensamento da construção do espetáculo por meio de uma criação coletiva retorna de forma vigorosa – denominado processo colaborativo – e se dissemina como processo de criação, acompanhando o renascimento dos grupos teatrais. E aí está um fato significativo.
Não é possível desassociar a criação coletiva ou processo colaborativo do surgimento e fortalecimento dos grupos de teatro. Isso porque a criação coletiva, em suas várias formas, não constitui um método isolado, um procedimento científico que pode ser reproduzido em quaisquer condições e por quaisquer conjuntos artísticos. A raiz de uma criação coletiva pressupõe fundamentalmente um acordo ético entre os criadores, no sentido de fazer respeitar e desenvolver as potencialidades individuais do artista ao mesmo tempo em que constrói a obra - e uma visão de mundo - de forma coletiva. Um processo coletivo de criação se aproxima muito mais de uma pedagogia artística do que de uma técnica de construção de espetáculo.
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